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  • Foto do escritorMaria Eduarda Albuquerque de Coimbra Pinto

A RECUSA EM TOMAR A VACINA DA COVID-19 ACARRETA A DESPEDIDA POR JUSTA CAUSA?


Antes de adentrar na discussão sobre o tema, é necessário trazer o entendimento do Supremo Tribunal Federal - STF - sobre a possibilidade de tornar a vacinação contra a COVID-19 obrigatória ou não. Como muitos devem saber, em Dezembro de 2020, o Supremo firmou o entendimento reconhecendo a constitucionalidade e validade da VACINAÇÃO COMPULSÓRIA, restando definido também que a União, Estados, Distrito Federal e Municípios possuem autonomia para implementar campanhas locais de vacinação.

É importante esclarecer que a vacinação compulsória NÃO se trata de vacinação FORÇADA, pois é possível o indivíduo recusar a imunização. Os governos NÃO podem adotar medidas COERCITIVAS E INVASIVAS para imunizar a população em geral, como por exemplo, usar a força física. Porém, com a compulsoriedade, podem ser estabelecidas medidas restritivas de direitos, previstas em lei, caso o cidadão se recuse ou não comprove a vacinação, como por exemplo, aplicação de multa, impedimento de frequentar certos lugares ou realizar matrícula em escola na rede pública.

Essa distinção ocorre porque a situação em concreto versa sobre direitos importantes e constitucionalmente assegurados, de um lado o direito a liberdade do indivíduo e o princípio da legalidade, que no direito privado consiste em: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, e do outro a saúde pública e coletiva.

Trazendo esta análise para as relações privadas e laborais, as principais discussões versam sobre a chance dos empregadores poderem ou não obrigar seus funcionários a se vacinarem contra a COVID-19 e sobre as consequências que poderiam ser aplicadas aos mesmos no caso de recusa.

Quanto a primeira questão em análise, a interpretação que vem sendo dada é a de que os empregadores poderiam instituir a vacinação compulsória, assim como os entes federados, nos locais onde os governos a tenham instituído. Como fundamento a este entendimento, utiliza-se o artigo 7º, inciso XXII da Constituição Federal o qual prevê o DEVER que possui todo empregador de garantir um ambiente de trabalho seguro para todos os seus funcionários, de modo a evitar qualquer risco a saúde e bem estar do empregado, inclusive o contágio de doenças. Este fundamento é o mesmo aplicado como base para justificar o dever das empresas de fornecerem e fiscalizarem o uso de EPI’s e instituírem as regras sobre as medidas de saúde, segurança e higiene do trabalho, aplicadas aos empregados. E, sendo possível a compulsoriedade da imunização, existiria a possibilidade de instituir medidas indiretas de coerção, ou seja, restritivas de direitos, que seriam aplicadas à quem se recusar sem motivos justificáveis, não se configurando abuso do poder diretivo do empregador.

Nesse último ponto, existe uma repercussão ainda maior na área trabalhista, não existindo nenhum entendimento consolidado sobre o tema: quais seriam as medidas restritivas que poderiam ser aplicadas aos trabalhadores no caso de negativa à vacinação? Até onde vai o poder de direção do empregador? Com o objetivo de esclarecer estas perguntas é interessante trazer duas das principais correntes interpretativas sobre a questão:

1. Uma parte dos especialistas entende que, com base no já mencionado dever de manter um ambiente de trabalho saudável e pelo fato da COVID-19 ser uma questão de saúde pública e coletiva, o empregador poderia aplicar ao funcionário desde restrições mais brandas, como impedir que o mesmo volte a trabalhar de forma presencial (nos casos em que se permite e é possível o home office), até punições mais severas, já previstas em lei, como a advertência, suspensão e até mesmo a demissão por justa causa, nesse caso amparada pelo artigo 482, alínea “h” da Consolidação das Leis do Trabalho, ou seja, por indisciplina ou insubordinação. Esta corrente alega que o empregado que se nega tomar a vacina não estaria apenas colocando sua vida e saúde em risco, mas a de toda equipe, tornando o ambiente laboral insalubre, ultrapassando o seu direito individual e atingindo o direito de toda coletividade.

Nesse caso, é importante o empregador prever essas sanções, na forma de aditivos contratuais, como maneira de formalizar a necessidade de imunização enquanto norma de segurança do trabalho e de saúde pública, conferindo mais legitimidade às punições.

2. A segunda corrente consiste na possibilidade de que poderiam ser aplicadas restrições, mas seria questionável a aplicação da demissão por justa causa, por ser uma sanção que acarreta consequências mais graves para o empregado, principalmente, no caso de ser possível a realização do serviço no sistema de teletrabalho, pois existe a possibilidade do profissional continuar trabalhando de sua casa não trazendo risco para todos. O empregador tem sim o papel de orientar e informar os empregados do risco da negação à imunização, afim de tornar o local de trabalho um ambiente seguro e instituir um sentimento de coletivismo, ademais, esta deve ser a primeira conduta a ser tomada, porém, quem defende essa linha de interpretação, entende que não existe espaço para que as empresas demitam funcionários que optem pela não imunização, visto que a liberdade individual confere o direito à escolha de não se vacinar e esse direito não pode anular ou suprimir outro, também constitucionalmente protegido, que é o direito ao trabalho e ao emprego, que inclusive possui valor social reconhecido pela própria Constituição Federal, sendo assim um dos fundamentos da República, conforme dispõe o artigo 1º da Carta Magna.

Em tempo, é interessante ressaltar que alguns especialistas que seguem essa corrente, admitem que sim, o empregador poderia demitir o empregado, mas sem justa causa, pagando todas as verbas rescisórias, pois o funcionário não estaria se enquadrando na política adotada pela empresa. O que não poderia é usar a demissão por justa causa como uma forma de retaliação por usufruir o seu direito à liberdade. Já outros, nem a demissão sem justa causa acham que cabe ao caso, pois poderia ser caracterizada como uma dispensa discriminatória com base na Lei 9.029/95, que proíbe práticas discriminatórias nas relações de trabalho e veda qualquer prática que limite o acesso ou a permanência no emprego.

Essa é uma questão complexa, que não possui um entendimento consolidado, pois é uma discussão de nível constitucional envolvendo de um lado a liberdade individual e o princípio da legalidade e do outro lado a saúde pública e o dever legal do empregador de manter um ambiente de trabalho saudável. Logo, este artigo tem o condão de alertar e tranquilizar as pessoas, para não criar um alarme diante de uma situação que não é pacífica nem entre os especialistas na matéria. Temos que aguardar os passos da jurisprudência, possivelmente até do STF, para que seja possível criar um entendimento mais consolidado sobre o tema.

Por fim, é necessário salientar dois pontos importantes que devem ser observados independentemente de ser possível ou não instituir uma vacinação compulsória ou de ser aplicada ou não a justa causa ou restrições em geral:

1. É imprescindível que a penalidade aplicada seja realizada de forma proporcional e não desarrazoada, como por exemplo, o profissional não se vacinar e o empregador, antes de tentar qualquer outro meio persuasivo, aplicar logo a demissão, seja ela com ou sem justa causa. Não seria justo nem seria lícito/legal, a penalidade deve ser gradativa;


2. É essencial que o empregador realize uma política de conscientização no local de labor, afim de esclarecer e incentivar a importância de tomar a vacina entre os seus profissionais, pois não existe dúvidas sobre o seu DEVER de manter um ambiente de trabalho sadio e seguro para todos os funcionários.


Por Maria Eduarda Albuquerque de Coimbra Pinto, Advogada Especialista em Direito do Trabalho.

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